Osasco / SP - sexta-feira, 26 de abril de 2024

Transtorno de estresse pós-traumático

                                                                 

                                              

      

     Guida* entrou lentamente no consultório, acompanhada de sua mãe. A jovem tinha o olhar vago e assim permaneceu após se sentar na poltrona que lhe ofereci. Pedi que a mãe se sentasse na poltrona ao lado da filha.

     Olhei para Guida, que parecia longe dali, perdida em divagações; depois olhei para a mãe, cujo rosto guardava tristeza, amargura, e aguardei.

     - Assim está minha filha há duas semanas, doutor Laerte – disse a mãe.

     - O que aconteceu a você, Guida? – dirigi-me à jovem.

     - Ahn?! – ela despertou de seu devaneio. – O que foi doutor?

     - Vejo que está perdida em seu mundo – eu disse. – Pode me dizer o que acontece com você?

     Ela começou a chorar.

     - Doutor Laerte – antecipou-se a mãe. – Ao recordar do assalto ela chora...

     - A senhora pode falar por ela – sugeri.

     - Há um mês e meio, a Guida estava na agência bancária quando irromperam ladrões mascarados atirando para o alto. Ela se deitou no chão rapidamente como todos, menos a colega, ao seu lado, que levou um tiro e caiu. Felizmente a bala passou de raspão no ombro e a menina está bem.

     - Como a senhora sabe o que aconteceu com tanta riqueza de detalhes? – perguntei.

     - Durante um mês, a Guida esteve no seu estado normal e contou em detalhes tudo o que ocorreu várias vezes. Visitou a amiga hospitalizada, quando conversaram sem problemas sobre o ocorrido no banco. Um mês depois ela começou a se retrair. Deixou de falar do assalto, e se alguém tocava no assunto caía em prantos. Já não vê televisão... Diz ter receio de ver cenas violentas, outras notícias de assalto... Já não vai à faculdade por receio de encontrar criminosos no seu caminho...

     - E como está o sono da Guida? – voltei a questionar a mãe.

     - À noite ela sai pelos jardins do condomínio e fica vagando pelas veredas desertas... Não quer ser acompanhada... Mas eu, o pai ou o irmão a vigiamos de longe... Às vezes senta-se em um banco e fica longo tempo parada, depois se levanta e continua andando até o sol raiar, quando retorna ao apartamento... Quando muito cansada, às vezes dorme, mas por pouco tempo. Acorda aterrorizada falando em altos brados do assalto, dos mascarados...

     Guida saltou de sua poltrona quando passou uma viatura de polícia com a sirene tocando. Com os olhos esbugalhados e as mãos tampando o ouvido urrou:

     - Não! Não!

     Levantei-me e fui até ela. Toquei seu ombro e disse:

     - Fique tranquila, Guida. Aqui você está protegida!

     - O senhor vai me ajudar, doutor?

     - Claro, Guida! Vou ajudá-la a superar este trauma.


     Guida havia sofrido um trauma intenso, mas passou um mês para que o pavor que sentiu durante o assalto se manifestasse em forma de sintomas. As manifestações tardias do choque vivenciado caracterizam o transtorno de estresse pós-traumático. A psicoterapia, sempre recomendada neste tipo de distúrbio, e o tratamento medicamentoso conduzem, no mais das vezes, à recuperação total.

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*Nome fictício