Judi* entrou saltitante no consultório.
- Dr. Laerte! Como vai você?!
Ela me beijou descontraidamente e se lançou na poltrona. Ao lado, a mãe, quieta, olhava-a tristemente.
- Como...
- Eu estou bem, doutor – ela me interrompeu. – Nunca estive tão bem! Aliás, sinto-me livre como um passarinho... Sou uma mulher livre, líder da minha turma... Mas, como vai sua família?... Sabe que ontem eu estive vendo um filme maravilhoso.. Ah, o mais importante é que agora sou a primeira aluna da classe... Vou a baile, não perco um... E preciso te contar que criei uma teoria revolucionária sobre como surgiu o universo...
- Judi! – sua mãe, visivelmente constrangida, tentou interrompê-la.
- Cale a boca! – ela respondeu agressiva.
- Dr. Laerte... – a mãe ainda tentou cavar um espaço.
- Você quis me trazer aqui, não foi, mãe? Então eu sou a dona do pedaço com o meu amigo Laerte! – seus olhos brilhavam intensamente; os lábios, pintados de vermelho escarlate, mexiam sem parar; as maçãs do rosto sobressaiam-se pelo ruge vermelho escuro que contrastava com a face branca impregnada de pó de arroz.
- Vejo que está muito alegre – intervim.
Ela se levantou e começou a andar apressadamente pelo consultório – usava um short roxo muito curto e cobria parte da blusa alaranjada com uma echarpe azulão.
- Você não quer falar?! – virou-se afrontosamente para a mãe. – Pois então fala!
Judi sentou-se no chão, dobrou os joelhos e arrancou os chinelos cor-de-rosa. Na sequência, pegou uma mecha de seus cabelos, levou-a até os lábios e, sorrindo, pôs-se a cochichar.
- Por favor, fale, senhora Sophie* – dirigi-me à mãe de Judi.
- Não sei o que acontece com a Judi, doutor. Antes, menina tão recatada, educada, estudiosa... Agora só quer estar na rua, sai de qualquer jeito... E pensar que há seis meses atrás ela se sentia tão bem que deixou por conta própria o tratamento da depressão que o senhor estava fazendo...
Quando Judi veio ao consultório há cerca de 1 ano, após ter tentado se matar ingerindo vários comprimidos de fenobarbital, chorava quase sem parar; a fala era monótona, queixosa. Sua mãe informou que, em casa, permanecia invariavelmente deitada em seu quarto de janela fechada; não queria ver ninguém e só falava em morrer; parou de estudar, não cogitava trabalhar – sentia-se sem forças para viver.
Ao ser questionada sobre o seu sono, ela disse que não dormia e que à noite, a avó, já falecida, sempre aparecia em seu quarto, pedindo que a acompanhasse.
Judi estava então em depressão profunda, associada a sintomas psicóticos – via sua avó falecida, ouvia sua voz e com ela interagia. Iniciou tratamento com medicamentos antidepressivos, antipsicóticos e hipnóticos. Quando começou a sair da depressão e os sintomas psicóticos se esvaíram, interessou-se por descobrir de onde vinham seus problemas. Iniciou tratamento psicoterápico, que a auxiliou muito em sua recuperação. Depois de quatro meses de tratamento, sentia-se completamente curada e apta para retomar sozinha sua vida. Foi quando abandonou o tratamento.
Agora, o seu quadro era de franca mania, ao qual se agregara um sintoma psicótico – achava-se tão extraordinariamente dotada que propagava, com convicção, ter criado uma nova teoria sobre a origem do universo (delírio de grandeza).
Judi foi tratada de seu quadro maníaco com medicamentos estabilizadores de humor e antipsicóticos. Em pouco tempo ficou bem: a exaltação passou e o humor estabilizou-se em patamares normais. Retomou a psicoterapia, e eu enfatizei a necessidade de continuar com os estabilizadores de humor.
A alternância entre o afeto depressivo e o maníaco conduz ao diagnóstico de transtorno afetivo bipolar. Com o tratamento adequado (medicamentoso e psicoterápico), o paciente consegue manter-se em equilíbrio mental, sem caminhar para um ou outro polo.
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*Nomes fictícios